O Despentear das Letras

A marca mais interessante dos personagens que iluminam o breve conto ‘A Terra’, é bastante significativa: “Não penteavam os cabelos. Às vezes não eram para ser penteados, pois eles haviam de ser coerentes e pensantes, com pensamentos arredios e dominadores.” Apesar de não retornarem nos demais textos do livro ‘Grãos’ (2007), obra de um intimismo singular na carreira de Patricia Tenório, são estes personagens e seu gesto tão expressivo que demarcam a atmosfera dominante do livro. Se a literatura de Patricia, neste caso, precisa de um adjetivo que lhe abarque, não poderia ser outro: trata-se de uma literatura despenteada.

Não se busca a coerência, aqui, ou qualquer nota de verdade, como atestam os últimos versos do poema ‘Nome’: “Eu pergunto e não respondes / Porque tu sabes, oh, meu querido / Tu sabes que não existe a verdade.” Patricia pergunta por anseios que não cabem na linearidade de gêneros ou formas, desconectando seu projeto entre diversos tipos de possibilidades, variando entre contos, poemas, registros de diário e esboços do que parecem obras futuras (há pelo menos um princípio de diálogo, em ‘Consulado’, que sinaliza o lampejo do gênio). Cuida de suas letras como num cafuné gostoso, de mãe pra filho, que não se importa em deixar a criança desarrumada, se ela continua sua, continua inteira.

Na orelha do livro, a explicação do título é precavida: “Grãos’ não sugere, apenas, a força misteriosa das palavras, mas também a possibilidade de germinar em nosso íntimo novos seres, assim como ocorre com as sementes que, guardadas sob o signo da multiplicação, frutificam.” E não há como fechar a contracapa sem perceber que alguns dos grãos realmente ficam, à espera dos frutos, com a força dos detalhes que melhor pontuam a memória de um leitor. Aliás, basta fechar o livro para notar que na própria capa, com arte de Ítalo Didot, invade-nos uma destas forças que não cabem em descrições para habitar uma lembrança. São apenas cores, sugestões, mas nelas eu enxergo os cabelos...


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