Sobre a Crítica Cinematográfica

Na última semana, fui procurado virtualmente pela estudante Amanda Morais (Colégio da Polícia Militar, 3º Ano), e convidado a participar de uma breve entrevista que ela precisava fazer sobre a crítica cinematográfica para um projeto na disciplina de Português. Foi uma conversa bastante objetiva, mas que me fez pensar em aspectos centrais da crítica e das razões que me fazem enveredar por ela, acreditar nela. Para que o conteúdo não se perca, e com permissão da Amanda, guardo por aqui o diálogo.


Qual o Papel da Crítica Cinematográfica em relação ao Cinema?

Gostaria de copiar um parágrafo específico de um Editorial que escrevi para o Filmologia, na edição #10 (maio/julho 2012), que explica muito da minha postura com relação à crítica de cinema:

É com o cuidado do verso que nos aproximamos do cinema. Com a certeza de que nas imagens que amamos pulsa uma poética responsável pelo que nos leva a discutir, refletir, perpetuar tudo o que vemos e ouvimos nas sessões compartilhadas. Nossa postura crítica, que vai muito além do exercício da escrita avaliativa, fundamenta-se na certeza de que os filmes, quaisquer que sejam, não nos pedem uma explicação, um juízo de certo/errado ou a aplicação de fórmulas que os desgastem e esvaziem — tornando-os pratos frios servidos em bandeja, como ilustrava Bazin. Vivemos os filmes nas letras porque ouvimos neles um pedido de permanência, de continuidade ao que proporcionaram nas telas; escrevemos sobre eles, os revivemos na procura da imagem síntese (procedimento que já é marca das páginas do Filmologia, pois não só de textos vive a crítica) porque acreditamos numa cinefilia que não se encerra ao fim de uma projeção, ao término de um download.

Dentro deste comentário, saliento alguns pontos essenciais da crítica:

- ‘o cuidado do verso’: a boa crítica é sempre uma nova obra, isso aprendemos com o teórico Roland Barthes, que fala da crítica como escritura, como algo que não deve envelhecer ou ficar limitado ao calor de um lançamento;

- ‘discutir, refletir e perpetuar’: são as principais ações de uma crítica, pois ampliam as possibilidades de interpretação de um filme, fomentam o diálogo com o público, salientando o caráter coletivo que é próprio do cinema, e cuidam de prolongar, ao máximo, os efeitos atingidos e provocados pelo filme, fazendo com que ele permaneça vivo em nossa memória;

- ‘ir além da explicação’: o francês André Bazin, um pioneiro da crítica cinematográfica, já dizia que uma crítica não pode tratar um filme como um prato frio, servido em bandejas. A crítica não deve explicar, reduzir tudo a símbolos, ou mesmo limitar-se ao julgamento (o que é bom ou ruim, o que é certo ou errado). 


Qual o momento da Crítica Cinematográfica com o Cinema Alagoano?

Também no Filmologia, fizemos um dossiê sobre o cinema alagoano, na edição #14 (LINK).

Recomendo a leitura e sintetizo que, pelo que percebo, a crítica alagoana (e toda crítica reflete aquilo o que critica) está engatinhando. Infelizmente, ela tem encontrado resistência dos próprios realizadores de filmes, que muitas vezes confundem o espírito crítico com a divulgação cultural. Já li vários comentários de jovens cineastas da cidade que demonstravam procurar, na crítica, uma mera veiculação de marketing, ao invés do pensamento mais profundo sobre a sua obra. Apesar disso, creio que se trata de um momento promissor e aberto a novas vozes, especialmente, pelas possibilidades do mundo virtual.


O que é necessário para ser um crítico cinematográfico?

Não quero que tome minha resposta dentro de um raciocínio didático, pois não creio que o exercício crítico tenha fórmulas específicas ou fixas. Como o aproximo muito da própria criação literária e poética, prefiro que ele seja livre e liberte o próprio cinema.

Porém, posso apontar cinco aspectos que me parecem essenciais em um bom crítico:

- Humildade: nenhum crítico é a ‘voz da verdade’, toda opinião é subjetiva e passível de confrontação, então, é preciso ter sempre em mente que, eu repito, não se pode tratar um filme apenas pelo que ele acerta ou erra, pois o acerto e o erro, na arte, sempre podem ser modificados;

- Leitura: seja sobre cinema, ou outras artes, ou qualquer área de conhecimento, um crítico é, antes de tudo, um leitor do mundo. Gosto muito do conselho que o cineasta alemão Werner Herzog deu a um grupo de universitários: “leiam, leiam, leiam, leiam, leiam...” É a chave de uma boa reflexão, de um bom argumento, sempre;

- Seletividade: é preciso ver ‘de tudo, um pouco’, por isso, um crítico não pode ver apenas o que gosta e, muito menos, pensar que apenas aquilo que gosta é a boa arte. Minha lista de filmes que acho ‘chatos’ ou cansativos, mas que reconheço como relevantes e geniais é bem grande... Para isso, é preciso ver o máximo de trabalhos nos mais distintos estilos, gêneros, períodos e nacionalidades. E, como já se produziu muito mais do que uma vida pode ver, é preciso saber filtrar e selecionar com equilíbrio;

- Opinião: ainda que eu defenda a crítica como algo além do mero julgamento de valor, acredito, sim, que um crítico precisa ter consciência de suas opiniões e gostos pessoais, e não ter vergonha de defendê-los (sempre respeitando as opiniões alheias), por mais que estejam na contramão do que parece um consenso;

- Sensibilidade: assim como a crítica não pode se basear em fórmulas, ela não pode tratar o cinema como fórmula, como mero aparato ou linguagem técnica. Valorizo muito um crítico que consiga fazer a sua leitura do filme como um prosseguimento da própria experiência que foi ‘ver o filme’, prolongando as paixões, fazendo-me entender os motivos que o levaram a amar ou odiar, ou ficar indiferente a uma sessão. Antes de pensar um filme, um crítico deve senti-lo, relacionar-se com ele e encontrar, nessa troca, os caminhos de um bom raciocínio, a sua compreensão do filme e de quem, ele próprio, é.

  
Por que é importante conhecer a Crítica Cinematográfica nos dias atuais?

Porque ela também fala sobre esses dias atuais. Até mesmo críticas antigas, de filmes antigos, podem nos iluminar questões da contemporaneidade e ajudar no entendimento do cinema e do mundo que se fazem, hoje. Mas eu ressalto: por isso é tão importante não confundirmos crítica com divulgação cultural. Um comentário da imprensa que apresente a sinopse de um filme, que fale sobre sua bilheteria, sobre seus prêmios ou, o pior de tudo, que lhe dê uma nota, ou sei lá quantas ‘estrelinhas’, não passa de um texto que se esgota no final de semana seguinte. Preciso deixar bem claro: isto não é crítica. A crítica que nos importa, seja nos dias atuais, seja no passado ou no futuro, é aquela que ultrapassa o seu próprio tempo, como os filmes, que se torna um registro de seu tempo, mas o expande a outros níveis, onde as fronteiras e calendários se diluem.


Finalmente, é importante conhecer a crítica para que o exercício de ‘ver um filme’, e aqui eu retomo minha citação do editorial, “não se encerre ao fim de uma projeção, ao término de um download”, mas para que os filmes continuem dentro de nós, inquietando, provocando nossa razão, deslocando continuamente quem nós somos.

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